terça-feira, 14 de abril de 2015

A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS


“Os humanos me assombram”
(Morte)



O livro é sobre Liesel Meminger e se passa na Alemanha Nazista no período de 1939 a 1943. Logo no início da narrativa, ainda com 9 anos de idade, Liesel tem seu primeiro encontro com a Morte. Isso ocorre enquanto ela, a mãe e seu irmão caçula, estavam em um trem a caminho de Munique. A mãe de Liesel era comunista e ia entregar os filhos aos cuidados de uma família alemã, que em contrapartida, receberia duas pensões por isso. No meio da viagem, o irmão de Liesel falece. No livro não se fala ao certo os motivos, mas creio que estão relacionados às constantes privações que passavam, dentre elas, frio e fome.

No sepultamento do garoto é que Liesel sente um profundo desejo de furtar o livro que estava de posse do coveiro. A impressão que tive é que essa era a única coisa que a faria lembrar do irmão, mesmo que isso não tivesse nada a ver com ele e não fosse dele também.

Depois de despedir-se da mãe, Liesel é levada para sua família adotiva na Rua Himmel, que significa  “Céu”. Lá ela encontra Hans Hubbermann, um pai muito amoroso, acolhedor, que se transforma também em seu porto seguro, seu melhor amigo e confidente. O pai, músico talentoso, foi muito dedicado na tarefa de fazer com que Liesel se adaptasse ao novo lar. Ao perceber sua afeição pelos livros, Hans ficava às madrugadas com Liesel no porão, ensinando-lhe as letras e depois como seu ouvinte quando ela era uma leitora talentosa. Hans também tocava acordeão quando Liesel tinha pesadelos e os dois faziam longos passeios pelo bosque. Os melhores momentos de Liesel foram com o pai.

Já Rosa Hubbermann, a mãe adotiva de Liesel, possuía um temperamento ferino e rude. Gostava de falar impropérios, até mesmo como forma de carinho. Todavia, era uma mulher muito trabalhadora e com um largo coração. Só não conseguia demonstrar carinho, talvez por ser algo ínsito à sua personalidade ou porque ficou calejada pelas misérias da vida.

Na Alemanha Nazista não foram só os inimigos de Hitler que sofreram. Muitos alemães sofriam com os infortúnios que toda guerra causa. A família Hubbermann morava em uma das ruas mais carentes de Munique, e em face disso, padeciam de fome, frio e as oportunidades de trabalho eram escassas.

Do mesmo modo, era a família do vizinho e amigo de Liesel, Rudy Steiner. Ele era um garoto da mesma idade de Liesel, que possuía fieis traços físicos alemães e cabelos cor de limão. Juntos, eles realizavam travessuras diversas, típicas de crianças, mas com um detalhe: Rudy era um garoto audacioso e galante, muito diferente dos demais. Ele era apaixonado por Liesel. Uma paixão tão pura quanto bonita e ele não tinha a menor vergonha disso, estava sempre demonstrando e não perdia a oportunidade de lhe pedir um beijo. Liesel, por sua vez, sempre negava e ficava brava às vezes, mas sentia um inconfesso amor por Rudy.

Mas Rudy não era só amigo de Liesel em brincadeiras de criança. Ele a ajudava no furto de livros. Dentre os poucos livros que Liesel tinha, os quais ela lia e relia por diversas vezes, dois o papai a deu de presente de natal, quando foi à feira e trocou por cigarros. Um foi furtado do cemitério, por ocasião da morte do irmãozinho, outro foi furtado ainda em chamas na praça, em um dia em comemoração ao Führer.  Os demais ela pegou “emprestado” na casa de Ilsa Hermann, esposa do prefeito e uma das clientes de sua mãe. Em quase todos esses furtos, o Rudy foi seu fiel cumplice, enquanto que na verdade, ele preferia furtar comida.

Rudy, assim como todas as crianças da Rua Himmel, estava quase sempre com fome. Com a guerra, não havia trabalho e os judeus que eram bons clientes, ou foram presos, ou tinham que ser boicotados. Com mais uma turma de garotos, Rudy e Liesel planejam seus furtos. A “quadrilhazinha” se organizava e invadia fazendas, onde atacavam árvores frutíferas, além da subtração de cebolas e batatas. Depois faziam uma grande roda, onde eles se deliciavam com uma comida diferente. Às vezes até fazia mal, já que o estômago estava acostumado somente com a sopa de ervilha que era feita aos sábados e depois requentada pelo resto da semana.

Apesar de todos os intempéries de uma vida de pobreza e toda a saudade que tinha de sua mãe biológica e seu irmão falecido, Liesel vivia feliz. Era uma felicidade terna e serena, ela se sentia amparada por seu papai e tinha a fiel companhia de Rudy.

Um dia, que tinha tudo para acabar como os outros dias, apareceu furtivamente, na residência dos Hubermann, um rapaz magricelo e de cabelos parecidos com penas. Seu nome era Max. Max era judeu e por ser filho de um amigo de Hans, ficou escondido no porão da casa. Max e Liesel ficaram muito amigos e rapidamente ela não conseguia perceber sua vida, sem Max. Eles passavam lendo e escrevendo histórias até às madrugadas. Além disso, na história de vida de ambos havia uma certa similitude: a perda de entes queridos em virtude da guerra, a tentativa de adaptação em um local completamente estranho e o ódio a Hitler.

Sim, foi por causa dele e de uma doutrina que Liesel sequer compreendia que ela nunca mais veria a mãe biológica e teve que presenciar a morte precoce do irmão caçula. Era por conta do nazismo também, que o pai adotivo, seu melhor amigo, estava sempre desempregado e só conseguia dar-lhe um livro de segunda mão de presente, porque renunciava a alguns cigarros. Era também por culpa do Reich que a mãe adotiva perdia os clientes, um a um, até que por fim, perdeu a esposa do prefeito que lhe deixava passar momentos inesquecíveis em sua biblioteca, com títulos diversos, infinidades de palavras e sonhos contados no horizonte de tantos livros. E foi também por culpa de Hitler que Max teve que um dia ir embora do porão, por não aguentar mais a culpa de colocar seus fiéis anfitriões em perigo.

Foram todas essas adversidades que Liesel enfrentou e a maneira como foi corajosamente lidando com tudo, que chamou a atenção da narradora do livro: a Morte. A Morte surpreendeu-se com a menina que roubava livros. Uma garotinha que conseguiu driblar a morte por três vezes e encontrava consolo em letras perdidas em pedaços de papel. A curiosidade de Liesel pelo conhecimento e o pacto sincero que fazia com as histórias que lia e escrevia a salvou praticamente todas as vezes.

O que mais chamou a atenção da Morte foi a generosidade de Liesel. Ela que não tinha nada, conseguia dar indizível felicidade a todos que estavam em sua volta. Ela que conheceu logo cedo toda a brutalidade que a vida pode oferecer, ainda conseguia passar aos que amava, esperança e doçura. Liesel, a menina que roubava livros, ofereceu aos que estavam perto de si, muito mais do que conseguiu ganhar com seus pequenos furtos: deu-lhes seu coração em forma de palavras, e isso é tudo que todos precisam e poucos conseguem.


quinta-feira, 19 de março de 2015

GUERRA DOS TRONOS

Sou viciada em seriados. Gosto de gêneros diversos, dentre eles, policial, drama, ficção científica, comédia e aventura. Demorei um pouco a comprar “Game ofThrones”. O primeiro motivo, foi que prefiro seriados que já acabaram, porque fico muito ansiosa aguardando as temporadas subsequentes. Mas pensei bem e optei por compra-la, sendo que uma das razões, foi que amei “O Senhor dos Anéis”, então imaginei que poderia ser um pouco parecido. Ledo engano.

Embora tenha uma pontada de fantasia, “Game of Thrones” é muito mais complexo que “O Senhor dos Anéis”. Não sou a primeira que vem escrever sobre “Game of Thrones” e muito menos serei a última. Meu artigo estará muito longe de ser o melhor ou mais autêntico sobre a série. Mas, tenho algo que compartilho com os fãs de “Game of Thrones”: a surpresa. A série superou e muito as minhas expectativas, é de tirar o fôlego.

Ao pensar e falar sobre a Guerra dos Tronos, não consigo ao certo definir em palavras a minha impressão sobre a série. Ao assistir “Game of Trones” sinto um misto de ansiedade, apreensão, pavor, tristeza, indignação. Durante alguns dias, sentia uma tristeza tão grande pelo destino de certos personagens, que pensei seriamente em deixar essa série de lado, mas é impressionante como ela me persegue durante todo o tempo.

A história se passa em Westeros, que é como se fosse uma antiga Europa. Em Westeros há sete reinos e o objetivo central da narrativa é mostrar as lutas dinásticas pelo trono de ferro. O trono de ferro é o trono do rei, que detentor dele, tem o poder de decidir sobre a vida e a morte de seus súditos. Além disso, existem os lordes, que são guardiões de determinadas regiões, como o Lorde Ned Stark, que é o Guardião do Norte.

Com um figurino fantástico e um alto investimento no cenário, “Game of Thrones” conseguiu demonstrar com muita verossimilhança, a narrativa exposta no livro, deixando expectadores do mundo todo, embevecidos com uma produção de tão alta qualidade.
A produção da Guerra dos Tronos, conseguiu trazer para a televisão, personagens de personalidades complexas, em especial, as mulheres. Existem personagens perversos, sádicos e também aqueles honrados e de bom coração. Mas existem também aqueles que se confundem entre o bem e mal. O ponto máximo da série é a vaidade. A busca pelo poder, que não raras vezes se torna inescrupulosa, de sorte a corromper muitos personagens que no início da série eram “bonzinhos”.

A série é repleta de tramas intricadas, conspirações e alianças improváveis para se obter o poder. Ao contrário das demais séries, “A guerra da Tronos”, não se apega em nenhum personagem. Embora existam vários personagens principais, o seu favorito pode morrer a qualquer momento.

Em “Game ofThrones” não existe muito pudor e quem tem estômago fraco não pode se aventurar nesse drama. A série é repleta de cenas de nudez, sexo, além de outras mais chocantes, como estupro, infanticídio, tortura, incesto e lutas corporais extremamente violentas. Os produtores não pouparam seus expectadores e mostraram como são os horrores das guerras medievais e como funcionava o “olho por olho, dente por dente”.

Eu recomendo para aqueles expectadores que não esperam um roteiro retilíneo e previsível, com um daqueles finais hollywoodianos em que o mal sempre é derrotado e o bem sempre triunfa. Talvez porque em “Game ofThrones” seu personagem preferido tenha se despedido há muito tempo, talvez porque em “Game ofThrones” o único fato previsível é que não veremos finais “açucarados” que terminam com um casamento e monte de bebês.  

terça-feira, 8 de abril de 2014

Sobre estar solteira



Eu costumo dizer que tem mulher casada que gosta do status de ser casada.

Algumas estufam o peito e dizem com orgulho: “Eu não, eu sou uma mulher casada, comigo é diferente.”.

Possivelmente dizendo-se assim é o mesmo dar o seguinte recado às mulheres solteiras: “Com vocês é permitido, afinal de contas, vocês não têm uma aliança no dedo!”.

Amigos e leitores do meu renascido blogue: qual o valor de um relacionamento? Que preço as pessoas pagam para se converterem às eternas imposições da sociedade? E por que os solteiros são tão estigmatizados? Por que sempre temos que ouvir: “mas você vem sozinha?”, “chama Fulano pra vir com você!”.

Nestes meus longos meses de solteirice, tenho observado, buscando material para os meus posts nunca escritos, quantos relacionamentos verdadeiramente, se fundam no sentimento sincero, de ficarem juntos, por amor.

Não estou falando de amor de novela, de beijo na chuva e de finais de hollwoodianos, porque, de fato, esses só existem na ficção ou são contados por aquela amiga que todos têm que só conta coisas boas do relacionamento. 

Não falo também de entregar-se a um namoro somente por carência e continuar acomodado nele porque a vida não vai te preparar mais nada.

Não falo também de ficar atrelado a um relacionamento doentio, onde a única prova de amor é o ciúme e existe um desequilíbrio emocional tão grande, que um cede tanto e o outro fica sem receber quase nada.

Tampouco falo da manipulação emocional. Nesse tipo de relacionamento, uma das partes molda o outro segundo seu gosto pessoal, e este, por ser suscetível e influenciável, nem vê que está ficando despersonalizado.

Falo da vontade de ficar juntos e seguir a vida lado a lado, respeitando a solidão intrínseca de cada ser humano. Cientes de que o "pra sempre", pode acabar e que teremos que nos refazer novamente. Juntar os pedacinhos dentro de nós que sobraram e formar novamente o vitral de nossas vidas. Mas, claro, viver o que vida tem para oferecer, pois, pessimismo demais, não combina com essas projeções.

Ser ou estar solteira nunca foi defeito. Defeito é não respeitar a individualidade das pessoas e nesse quesito a sociedade ainda vai demorar muito para evoluir. Ainda bem que eu estou evoluindo.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

De onde surgem os amores




Uma amiga na casa dos 50 estava solteira há anos. Não tinha namorado e tampouco se sentia ansiosa com isso. Já havia casado duas vezes, tinha um filho bacana e podia muito bem viver sem amor, essas mentiras que a gente conta para nós mesmos.

De qualquer forma, para não perder o hábito, de vez em quando se produzia e ia pra balada, vá que. Mas voltava invariavelmente sozinha para casa. Até que um ex-paquera do tempo que ela era uma debutante fez contato ele, que morava no Exterior, voltaria para o Brasil e queria revê-la. Milagre by Facebook.

Ela disse claro, vai ser ótimo, mas não sabia quando exatamente a promessa desembarcaria no Salgado Filho. Seguiu sua vida. Foi para a piscina do clube num dia de semana e lá, estando acima do peso, suada e com um biquíni velho, escutou seu nome sendo pronunciado por uma voz aveludada. Era o dito cujo, testemunhando in loco no que a debutante havia se transformado depois de tantos anos. Ela pensou: o cara vai sair correndo.

Ele pensou: não desgrudo mais dessa mulher. E assim foi. Certa de que só estando impecável atrairia olhares, ela conquistou um guapo num dia em que se sentia pouco atraente.

Outra história. Atriz, loira, olhos verdes, leva um fora do noivo. Passa dias inchada de tanto chorar. Deprê em estágio avançado. A avó organiza um almoço do tipo italiano, aberto ao público. Ela vai e encontra um velho conhecido com quem brincava na infância. Ele, recém-separado. Ela, um trapo.

Ficam ali conversando, ela aos lamentos por sua situação, quando, em meio a soluços, a mulher se engasga. Mas engasga feio. De quase morrer. Uns 10 vieram esmurrar suas costas, e a guria vertendo lágrimas sem conseguir respirar, roxa como uma berinjela, já encomendando a alma. Ela me conta: naquele dia, eu havia saído de casa medonha, e o engasgo só piorou o quadro, eu parecia o demo convulsionando. Mas o amiguinho de infância não teve essa impressão. No dia seguinte, ligou para saber se ela passava bem, e estão casados há 15 anos.

Mais uma: depois de duas décadas de uma relação bem vivida, veio a separação amigável. Porém, mesmo amigável, nunca é fácil sair de um casamento, ainda mais de um casamento que não era um inferno, apenas havia acabado por excesso de amizade.

Ela pensou: agora é a hora do luto, um recolhimento me fará bem. Não deu uma semana e um estranho tocou o número do seu apartamento no porteiro eletrônico. Ela não reconheceu a voz, o nome, não sabia quem era, e não deu trela. Ele tentou no dia seguinte: ela tampouco abriu a porta, achou que o cara havia se enganado de prédio. No terceiro dia, ela resolveu esclarecer pessoalmente o equívoco. Desceu até a portaria para convencer o insistente de que ela não era quem ele procurava. Era.

Do que se conclui: de onde muito se espera – boates, festas, bares – é que não surge nada. O amor prefere se aproximar dos distraídos.


(Martha Medeiros)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O Amor Acaba (Paulo Mendes Campos)



Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois do teatro e do silêncio.



Acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar.



De repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel, ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinza o escarlate das unhas.



E acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados; e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado.



Na insônia dos braços luminososos do relógio. Mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia.



No sábado depois de três goles mornos de gim à beira da piscina.



Em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadeza, onde há mais encantos que desejo.



Em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero.



Nos roteiros de tédio para o tédio, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada.



Em cavernas de sala e quartos conjugados, o amor se eriça e acaba.



No inferno o amor não começa.



Na usura o amor se dissolve.



Uma carta que chegou depois, o amor acaba.



Uma carta que chegou antes, o amor acaba.



O amor acaba na descontrolada fantasia da libido.



Às vezes acaba na mesma música que começou, no mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes.



No coração que se dilata e quebra e o médico sentencia imprestável para o amor.



Às vezes o amor acaba como se fosse melhor nunca ter existido, mas pode acabar com doçura e esperança.



Uma palavra muda e articulada e acaba o amor: na verdade, no álcool, de manhã, de noite, na floração excessiva da primavera, no abuso do verão e na dissonância do outono.



Em todos os lugares, a qualquer hora e por qualquer motivo o amor acaba.



Acaba para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O erro de São Tomé

São Tomé foi um dos doze apóstolos escolhidos por Jesus Cristo cuja referência se dá em algumas passagens do Evangelho de João. Um episódio interessante encontra-se capitulado em João 11:16, por ocasião da morte de Lázaro. Jesus decide voltar à Judéia, onde anteriormente os populares tentaram apedrejá-lo. Em que pese a resistência de seus discípulos, o Mestre se manteve determinado. No entanto, é de Tomé a palavra derradeira: “Vamos todos morrer com Ele”. Alguns interpretam esse fato como sendo uma antecipação ao conceito teológico paulínio de morrer com Cristo.

Mesmo tendo demonstrado extrema devoção a Jesus, todos que já ouviram falar de São Tomé sabem que ele é lembrado por outro fato. São Tomé é conhecido como o discípulo incrédulo que duvidou da ressurreição de Jesus. Essa passagem é descrita também em João 20:24-29, quando Tomé exige que necessita sentir as chagas de Jesus antes de se convencer. Esse fato deu ensejo inclusive a um famoso dito popular que eu mesma cresci ouvido: “Eu sou igual São Tomé: só acredito vendo.”




Pergunto-me: e se São Tomé tivesse agido diferente? A história da ressurreição teria o mesmo sentido? Alguns podem responder que sim, foi só uma atitude banal, uma fraqueza humana ou mesmo uma atitude bastante a demonstrar a leviandade de seu caráter, já que a fé verdadeira consiste em acreditar sem enxergar, sem a necessidade de provas materiais. Outros, no entanto, podem afirmar que não, não é possível ter-se o mesmo sentido. Ora, sem a dúvida de São Tomé nunca poderíamos ter a real certeza da ressurreição, afinal, foi ele quem tocou nas chagas de Jesus, e viu que realmente o Mestre havia superado a morte.

Dispensando maiores reflexões acerca da necessidade da atitude de São Tomé para com o rumo da história cristã, vale tecer algumas impressões sobre a natureza humana, em paralelo com as passagens bíblicas acima narradas.

É incrível como às vezes somos lembrados somente pelos nossos erros e como as nossas falhas causam tanto impacto nos relacionamentos. Creio que um dos motivos é pela expectativa que outro tem a nosso respeito. Se a expectativa girar em torno de uma pessoa que se espera indefectível ou pelo menos de caráter ilibado, tem-se logo a cruel decepção por algum erro. Outro motivo é no que tange à incompatibilidade de intenções. Quando temos boa intenção esperamos que a intenção do outro seja recíproca. E se recebemos o contrário, o coração também se parte.

Todos nós já passamos por situações como a de São Tomé e sabemos o fardo de um erro. É que a natureza humana não é só falha, mas é também corrompível, vaidosa e tem necessidade extrema de ser reconhecimento. Dificilmente quem erra, reconhece o erro, pede perdão e tenta aprimorar-se. E quem pode aplacar a natureza? O inexorável poder que a natureza humana exerce sob a personalidade de alguém? A implacável força que os traumas exercem sobre nossas atitudes? Penso que o caminho da luz é difícil de ser percorrido, mas ele deve ser perseguido e alcançado, para que nossos erros não nos tirem o bem mais precioso que o ser humano pode ter: a paz de espírito.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Escrita e Libertação

"Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir.
Não sou pretensiosa.
Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..."

(Clarice Lispector)





Escrever para mim é mais que uma mera atividade. Escrever é libertação. Aqui, encontro aconchego, paz e forças que transcendem os limites do corpo, para alcançar a alma bem intimamente. É por isso que sempre recorro a estas “mal traçadas linhas” e busco o que não consigo encontrar no mundo externo.

Às vezes, a correria do trabalho, juntamente com a constante pressão do cotidiano, se alia aos nossos conflitos pessoais e nos dão a falsa impressão de que a verdadeira paz de espírito se dará quando ganharmos o mundo, nos tornarmos senhores de bens, valores, sucesso e fama. E, desta feita, passamos a peregrinar pela vida com esse único e absoluto propósito, de forma obstinada, suculenta e insensata até.

Mas a vida, que por diversas vezes, se revela traiçoeira, mostra de forma combativa que o seu propósito é muito mais denso, profundo e enigmático. A verdade é que não somos senhores de nada, nem mesmo de nossa própria existência. Estamos nesta vida de passagem e a nossa fragilidade humana pode ser desfeita a qualquer momento.

É claro que podemos realizar sonhos e encontrar o amor. Mas, como já escreveu Fernando Sabino com muita sabedoria: “Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade.”.

Sabemos que a paixão é facilmente confundida com domínio. É fato também que o amor quando canalizado de forma errônea é capaz de causar aneurismas. Mas de uma verdade nunca poderemos fugir. A de que ao encontramos o outro, devemos desprezar o sentimento de domínio e tentar alcançar o ideal: caminhar juntos, na mesma direção, de forma harmônica, sossegada e prazerosa. O amor nunca pode ser confundido com domínio. Este é irmão da vaidade e não se amolda ao verdadeiro significado do amor, que a meu ver, foi escrito com maestria por Vinícius de Moraes, quando assim o fez: “é um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias”.

A solidão, conforme já explanei em posts pretéritos é intrínseca ao ser humano. Querendo ou não, sempre estaremos sós, sempre seremos nossa única companhia. Completo o raciocínio citando novamente o grande Fernando Sabino ao preconizar que: “Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome.”.

Quando me encontro contemplando minha própria solidão, volto-me para a arte, para a escrita, minha maior confidente. Deus para mim é salvação, mas escrever é libertação. É forma de autoconhecimento, é uma viagem interior que sempre toma rumos inimagináveis em meu coração. Está longe de minhas pretensões ser taxada como escritora, mas, confesso, com toda franqueza, que minha vida ganha maior brilho quando exerço este dom que Deus me agraciou, e eu com muita simplicidade tento exercitá-lo, com fé e devoção.