domingo, 27 de junho de 2010

Sobre Ciúmes

Não tenhas ciúme da mulher que repousa no teu seio,
para que ela não empregue contra ti a
malícia que lhe houveres ensinado.
(Eclesiástico, 9, 1)





Em verdade, “o ciúme é um monstro de olhos verdes” (a green-eyed monster), como muito bem escreveu o grandioso Shakespeare em “Otelo”.

Creio que na literatura, Otelo é um dos melhores exemplos de como o ciúme age em uma pessoa e do que o ciumento é capaz de fazer em virtude desse sentimento atordoante. O personagem Otelo, general de Veneza, era negro e por conta disso, sofria preconceito por parte dos venezianos. Seu alto cargo era tolerado, mas não era fomentado. De sorte a canalizar essa insegurança, Otelo comportava-se de forma rude e hostil com a sua belíssima esposa Desdêmona.

Toda essa insegurança aliada ao desprezo de seus subalternos, faz com que Otelo fique fraco e, por conseguinte, receptivo às maldades de Iago, que passa a armar uma trama muito intricada envolvendo sua esposa e Cássio. O fim da obra, não foi diferente das outras do dramaturgo Shakespeare: tragédia. O ciúme delirante de Otelo se intensifica e ele acaba por ceifar a vida de Desdêmona e depois se suicida.

Outro exemplo clássico da literatura, que não termina em massacre, mas não deixa de ser trágico, é a obra do festejado Machado de Assis, “Dom Casmurro” a qual tenho especial apreço. Neste livro, o pueiril e desencorajado Bentinho, personagem-narrador do livro, consumido por seu ciúme doentio, fulminou seu casamento com Capitu, motivado pela idéia que ela o traíra com Escobar, amigo do seminário, figurando-se como prova do adultério o seu próprio filho, Ezequiel, que ocasionalmente ou não, se parecia com o referido amigo.

O fraco e confuso Bentinho resolve narrar como foi o seu romance com Capitu no fim de sua vida, deixando, no entanto, na mente do ‘caro leitor’, dubiedade e mistério sobre o que de fato aconteceu. Por outro lado, Bentinho deixa claro como eram suas manifestações de ciúmes, os delírios que sofria, além de sua insegurança, por sentir-se menos ‘homem do que Capitu era mulher’ e uma certa inveja do companheiro de seminário, que era um rapaz articulado, envolvente e bonito. O drama de Bentinho, sua angústia, durante quase toda a narrativa é instrospectiva e dissimulada, revelando-se muito marcante o desprezo que sentia pelo filho Ezequiel, a quem ele criou durante cinco anos, antes que ele fosse morar com Capitu na Suíça depois da inevitável separação do casal. Bentinho chega a desejar que o filho morresse de lepra e se mostra aliviado já no fim da obra quando recebe a notícia de que o mesmo falecera em uma viagem no exterior.

De ver-se que o ciúme que Bentinho sofria era patólogico. Para a psiquiatria, na mente do ciumento, existe um liame muito tênue entre fantasia e certeza, verdade e crença, e às vezes meras dúvidas se transformam em idéias delirantes e superdimensionadas. E a pessoa, objeto de tamanha inquietação, também sofre muito com as investidas do ciumento. Isto porque, este começa a invadir a privacidade do parceiro, tolhendo a sua liberdade, seja restingindo seu acesso a lugares, seja proibindo o contato com determinadas pessoas.

Nem se diga que o ciúme figura como uma das principais causas dos crimes passionais. Neste caso, o ciúme é possessivo, a pessoa é vista como propriedade da outra e a mera possibilidade de perdê-la causa desvarios ao ciumento. Com muito brilhantismo, certa feita, escreveu Miguel de Cervantes: São sempre desatinadas as vinganças por ciúme.”

A verdade é que esse descontrole emocional é causa de muita dor, principalmente a quem sente. A sensação de que está sendo enganado, aliada à possibilidade de perda, causa um abalo muito grande. E o ciumento quando não deixa o parceiro infeliz e aprisionado, acaba perdendo-o. Antes o que era um medo angustiante, torna-se certeza, ou seja, a certeza de que pela falta de controle e de deficiência de percepção da realidade, acabou perdendo a pessoa a quem tanto quis cuidar e amar.