segunda-feira, 13 de agosto de 2012

De onde surgem os amores




Uma amiga na casa dos 50 estava solteira há anos. Não tinha namorado e tampouco se sentia ansiosa com isso. Já havia casado duas vezes, tinha um filho bacana e podia muito bem viver sem amor, essas mentiras que a gente conta para nós mesmos.

De qualquer forma, para não perder o hábito, de vez em quando se produzia e ia pra balada, vá que. Mas voltava invariavelmente sozinha para casa. Até que um ex-paquera do tempo que ela era uma debutante fez contato ele, que morava no Exterior, voltaria para o Brasil e queria revê-la. Milagre by Facebook.

Ela disse claro, vai ser ótimo, mas não sabia quando exatamente a promessa desembarcaria no Salgado Filho. Seguiu sua vida. Foi para a piscina do clube num dia de semana e lá, estando acima do peso, suada e com um biquíni velho, escutou seu nome sendo pronunciado por uma voz aveludada. Era o dito cujo, testemunhando in loco no que a debutante havia se transformado depois de tantos anos. Ela pensou: o cara vai sair correndo.

Ele pensou: não desgrudo mais dessa mulher. E assim foi. Certa de que só estando impecável atrairia olhares, ela conquistou um guapo num dia em que se sentia pouco atraente.

Outra história. Atriz, loira, olhos verdes, leva um fora do noivo. Passa dias inchada de tanto chorar. Deprê em estágio avançado. A avó organiza um almoço do tipo italiano, aberto ao público. Ela vai e encontra um velho conhecido com quem brincava na infância. Ele, recém-separado. Ela, um trapo.

Ficam ali conversando, ela aos lamentos por sua situação, quando, em meio a soluços, a mulher se engasga. Mas engasga feio. De quase morrer. Uns 10 vieram esmurrar suas costas, e a guria vertendo lágrimas sem conseguir respirar, roxa como uma berinjela, já encomendando a alma. Ela me conta: naquele dia, eu havia saído de casa medonha, e o engasgo só piorou o quadro, eu parecia o demo convulsionando. Mas o amiguinho de infância não teve essa impressão. No dia seguinte, ligou para saber se ela passava bem, e estão casados há 15 anos.

Mais uma: depois de duas décadas de uma relação bem vivida, veio a separação amigável. Porém, mesmo amigável, nunca é fácil sair de um casamento, ainda mais de um casamento que não era um inferno, apenas havia acabado por excesso de amizade.

Ela pensou: agora é a hora do luto, um recolhimento me fará bem. Não deu uma semana e um estranho tocou o número do seu apartamento no porteiro eletrônico. Ela não reconheceu a voz, o nome, não sabia quem era, e não deu trela. Ele tentou no dia seguinte: ela tampouco abriu a porta, achou que o cara havia se enganado de prédio. No terceiro dia, ela resolveu esclarecer pessoalmente o equívoco. Desceu até a portaria para convencer o insistente de que ela não era quem ele procurava. Era.

Do que se conclui: de onde muito se espera – boates, festas, bares – é que não surge nada. O amor prefere se aproximar dos distraídos.


(Martha Medeiros)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O Amor Acaba (Paulo Mendes Campos)



Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois do teatro e do silêncio.



Acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar.



De repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel, ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinza o escarlate das unhas.



E acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados; e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado.



Na insônia dos braços luminososos do relógio. Mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia.



No sábado depois de três goles mornos de gim à beira da piscina.



Em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadeza, onde há mais encantos que desejo.



Em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero.



Nos roteiros de tédio para o tédio, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada.



Em cavernas de sala e quartos conjugados, o amor se eriça e acaba.



No inferno o amor não começa.



Na usura o amor se dissolve.



Uma carta que chegou depois, o amor acaba.



Uma carta que chegou antes, o amor acaba.



O amor acaba na descontrolada fantasia da libido.



Às vezes acaba na mesma música que começou, no mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes.



No coração que se dilata e quebra e o médico sentencia imprestável para o amor.



Às vezes o amor acaba como se fosse melhor nunca ter existido, mas pode acabar com doçura e esperança.



Uma palavra muda e articulada e acaba o amor: na verdade, no álcool, de manhã, de noite, na floração excessiva da primavera, no abuso do verão e na dissonância do outono.



Em todos os lugares, a qualquer hora e por qualquer motivo o amor acaba.



Acaba para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O erro de São Tomé

São Tomé foi um dos doze apóstolos escolhidos por Jesus Cristo cuja referência se dá em algumas passagens do Evangelho de João. Um episódio interessante encontra-se capitulado em João 11:16, por ocasião da morte de Lázaro. Jesus decide voltar à Judéia, onde anteriormente os populares tentaram apedrejá-lo. Em que pese a resistência de seus discípulos, o Mestre se manteve determinado. No entanto, é de Tomé a palavra derradeira: “Vamos todos morrer com Ele”. Alguns interpretam esse fato como sendo uma antecipação ao conceito teológico paulínio de morrer com Cristo.

Mesmo tendo demonstrado extrema devoção a Jesus, todos que já ouviram falar de São Tomé sabem que ele é lembrado por outro fato. São Tomé é conhecido como o discípulo incrédulo que duvidou da ressurreição de Jesus. Essa passagem é descrita também em João 20:24-29, quando Tomé exige que necessita sentir as chagas de Jesus antes de se convencer. Esse fato deu ensejo inclusive a um famoso dito popular que eu mesma cresci ouvido: “Eu sou igual São Tomé: só acredito vendo.”




Pergunto-me: e se São Tomé tivesse agido diferente? A história da ressurreição teria o mesmo sentido? Alguns podem responder que sim, foi só uma atitude banal, uma fraqueza humana ou mesmo uma atitude bastante a demonstrar a leviandade de seu caráter, já que a fé verdadeira consiste em acreditar sem enxergar, sem a necessidade de provas materiais. Outros, no entanto, podem afirmar que não, não é possível ter-se o mesmo sentido. Ora, sem a dúvida de São Tomé nunca poderíamos ter a real certeza da ressurreição, afinal, foi ele quem tocou nas chagas de Jesus, e viu que realmente o Mestre havia superado a morte.

Dispensando maiores reflexões acerca da necessidade da atitude de São Tomé para com o rumo da história cristã, vale tecer algumas impressões sobre a natureza humana, em paralelo com as passagens bíblicas acima narradas.

É incrível como às vezes somos lembrados somente pelos nossos erros e como as nossas falhas causam tanto impacto nos relacionamentos. Creio que um dos motivos é pela expectativa que outro tem a nosso respeito. Se a expectativa girar em torno de uma pessoa que se espera indefectível ou pelo menos de caráter ilibado, tem-se logo a cruel decepção por algum erro. Outro motivo é no que tange à incompatibilidade de intenções. Quando temos boa intenção esperamos que a intenção do outro seja recíproca. E se recebemos o contrário, o coração também se parte.

Todos nós já passamos por situações como a de São Tomé e sabemos o fardo de um erro. É que a natureza humana não é só falha, mas é também corrompível, vaidosa e tem necessidade extrema de ser reconhecimento. Dificilmente quem erra, reconhece o erro, pede perdão e tenta aprimorar-se. E quem pode aplacar a natureza? O inexorável poder que a natureza humana exerce sob a personalidade de alguém? A implacável força que os traumas exercem sobre nossas atitudes? Penso que o caminho da luz é difícil de ser percorrido, mas ele deve ser perseguido e alcançado, para que nossos erros não nos tirem o bem mais precioso que o ser humano pode ter: a paz de espírito.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Escrita e Libertação

"Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir.
Não sou pretensiosa.
Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..."

(Clarice Lispector)





Escrever para mim é mais que uma mera atividade. Escrever é libertação. Aqui, encontro aconchego, paz e forças que transcendem os limites do corpo, para alcançar a alma bem intimamente. É por isso que sempre recorro a estas “mal traçadas linhas” e busco o que não consigo encontrar no mundo externo.

Às vezes, a correria do trabalho, juntamente com a constante pressão do cotidiano, se alia aos nossos conflitos pessoais e nos dão a falsa impressão de que a verdadeira paz de espírito se dará quando ganharmos o mundo, nos tornarmos senhores de bens, valores, sucesso e fama. E, desta feita, passamos a peregrinar pela vida com esse único e absoluto propósito, de forma obstinada, suculenta e insensata até.

Mas a vida, que por diversas vezes, se revela traiçoeira, mostra de forma combativa que o seu propósito é muito mais denso, profundo e enigmático. A verdade é que não somos senhores de nada, nem mesmo de nossa própria existência. Estamos nesta vida de passagem e a nossa fragilidade humana pode ser desfeita a qualquer momento.

É claro que podemos realizar sonhos e encontrar o amor. Mas, como já escreveu Fernando Sabino com muita sabedoria: “Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade.”.

Sabemos que a paixão é facilmente confundida com domínio. É fato também que o amor quando canalizado de forma errônea é capaz de causar aneurismas. Mas de uma verdade nunca poderemos fugir. A de que ao encontramos o outro, devemos desprezar o sentimento de domínio e tentar alcançar o ideal: caminhar juntos, na mesma direção, de forma harmônica, sossegada e prazerosa. O amor nunca pode ser confundido com domínio. Este é irmão da vaidade e não se amolda ao verdadeiro significado do amor, que a meu ver, foi escrito com maestria por Vinícius de Moraes, quando assim o fez: “é um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias”.

A solidão, conforme já explanei em posts pretéritos é intrínseca ao ser humano. Querendo ou não, sempre estaremos sós, sempre seremos nossa única companhia. Completo o raciocínio citando novamente o grande Fernando Sabino ao preconizar que: “Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome.”.

Quando me encontro contemplando minha própria solidão, volto-me para a arte, para a escrita, minha maior confidente. Deus para mim é salvação, mas escrever é libertação. É forma de autoconhecimento, é uma viagem interior que sempre toma rumos inimagináveis em meu coração. Está longe de minhas pretensões ser taxada como escritora, mas, confesso, com toda franqueza, que minha vida ganha maior brilho quando exerço este dom que Deus me agraciou, e eu com muita simplicidade tento exercitá-lo, com fé e devoção.