quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O erro de São Tomé

São Tomé foi um dos doze apóstolos escolhidos por Jesus Cristo cuja referência se dá em algumas passagens do Evangelho de João. Um episódio interessante encontra-se capitulado em João 11:16, por ocasião da morte de Lázaro. Jesus decide voltar à Judéia, onde anteriormente os populares tentaram apedrejá-lo. Em que pese a resistência de seus discípulos, o Mestre se manteve determinado. No entanto, é de Tomé a palavra derradeira: “Vamos todos morrer com Ele”. Alguns interpretam esse fato como sendo uma antecipação ao conceito teológico paulínio de morrer com Cristo.

Mesmo tendo demonstrado extrema devoção a Jesus, todos que já ouviram falar de São Tomé sabem que ele é lembrado por outro fato. São Tomé é conhecido como o discípulo incrédulo que duvidou da ressurreição de Jesus. Essa passagem é descrita também em João 20:24-29, quando Tomé exige que necessita sentir as chagas de Jesus antes de se convencer. Esse fato deu ensejo inclusive a um famoso dito popular que eu mesma cresci ouvido: “Eu sou igual São Tomé: só acredito vendo.”




Pergunto-me: e se São Tomé tivesse agido diferente? A história da ressurreição teria o mesmo sentido? Alguns podem responder que sim, foi só uma atitude banal, uma fraqueza humana ou mesmo uma atitude bastante a demonstrar a leviandade de seu caráter, já que a fé verdadeira consiste em acreditar sem enxergar, sem a necessidade de provas materiais. Outros, no entanto, podem afirmar que não, não é possível ter-se o mesmo sentido. Ora, sem a dúvida de São Tomé nunca poderíamos ter a real certeza da ressurreição, afinal, foi ele quem tocou nas chagas de Jesus, e viu que realmente o Mestre havia superado a morte.

Dispensando maiores reflexões acerca da necessidade da atitude de São Tomé para com o rumo da história cristã, vale tecer algumas impressões sobre a natureza humana, em paralelo com as passagens bíblicas acima narradas.

É incrível como às vezes somos lembrados somente pelos nossos erros e como as nossas falhas causam tanto impacto nos relacionamentos. Creio que um dos motivos é pela expectativa que outro tem a nosso respeito. Se a expectativa girar em torno de uma pessoa que se espera indefectível ou pelo menos de caráter ilibado, tem-se logo a cruel decepção por algum erro. Outro motivo é no que tange à incompatibilidade de intenções. Quando temos boa intenção esperamos que a intenção do outro seja recíproca. E se recebemos o contrário, o coração também se parte.

Todos nós já passamos por situações como a de São Tomé e sabemos o fardo de um erro. É que a natureza humana não é só falha, mas é também corrompível, vaidosa e tem necessidade extrema de ser reconhecimento. Dificilmente quem erra, reconhece o erro, pede perdão e tenta aprimorar-se. E quem pode aplacar a natureza? O inexorável poder que a natureza humana exerce sob a personalidade de alguém? A implacável força que os traumas exercem sobre nossas atitudes? Penso que o caminho da luz é difícil de ser percorrido, mas ele deve ser perseguido e alcançado, para que nossos erros não nos tirem o bem mais precioso que o ser humano pode ter: a paz de espírito.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Escrita e Libertação

"Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir.
Não sou pretensiosa.
Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..."

(Clarice Lispector)





Escrever para mim é mais que uma mera atividade. Escrever é libertação. Aqui, encontro aconchego, paz e forças que transcendem os limites do corpo, para alcançar a alma bem intimamente. É por isso que sempre recorro a estas “mal traçadas linhas” e busco o que não consigo encontrar no mundo externo.

Às vezes, a correria do trabalho, juntamente com a constante pressão do cotidiano, se alia aos nossos conflitos pessoais e nos dão a falsa impressão de que a verdadeira paz de espírito se dará quando ganharmos o mundo, nos tornarmos senhores de bens, valores, sucesso e fama. E, desta feita, passamos a peregrinar pela vida com esse único e absoluto propósito, de forma obstinada, suculenta e insensata até.

Mas a vida, que por diversas vezes, se revela traiçoeira, mostra de forma combativa que o seu propósito é muito mais denso, profundo e enigmático. A verdade é que não somos senhores de nada, nem mesmo de nossa própria existência. Estamos nesta vida de passagem e a nossa fragilidade humana pode ser desfeita a qualquer momento.

É claro que podemos realizar sonhos e encontrar o amor. Mas, como já escreveu Fernando Sabino com muita sabedoria: “Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade.”.

Sabemos que a paixão é facilmente confundida com domínio. É fato também que o amor quando canalizado de forma errônea é capaz de causar aneurismas. Mas de uma verdade nunca poderemos fugir. A de que ao encontramos o outro, devemos desprezar o sentimento de domínio e tentar alcançar o ideal: caminhar juntos, na mesma direção, de forma harmônica, sossegada e prazerosa. O amor nunca pode ser confundido com domínio. Este é irmão da vaidade e não se amolda ao verdadeiro significado do amor, que a meu ver, foi escrito com maestria por Vinícius de Moraes, quando assim o fez: “é um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias”.

A solidão, conforme já explanei em posts pretéritos é intrínseca ao ser humano. Querendo ou não, sempre estaremos sós, sempre seremos nossa única companhia. Completo o raciocínio citando novamente o grande Fernando Sabino ao preconizar que: “Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome.”.

Quando me encontro contemplando minha própria solidão, volto-me para a arte, para a escrita, minha maior confidente. Deus para mim é salvação, mas escrever é libertação. É forma de autoconhecimento, é uma viagem interior que sempre toma rumos inimagináveis em meu coração. Está longe de minhas pretensões ser taxada como escritora, mas, confesso, com toda franqueza, que minha vida ganha maior brilho quando exerço este dom que Deus me agraciou, e eu com muita simplicidade tento exercitá-lo, com fé e devoção.