domingo, 19 de setembro de 2010

Encantar-se

Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo.



(Fernando Pessoa)



Na adolescência li um livro chamado “O Mundo de Sofia” (Jostein Gaarder). Dentre os diversos ensinamentos que a leitura desse livro me proporcionou é que não devemos perder nossa capacidade de nos encantarmos com a vida. Para tanto, o autor explica da seguinte forma: depois que nascemos, tudo é novidade. Uma flor, um brinquedo, alimentos, tudo é motivo de alegria, êxtase profundo. É a fase da descoberta, da pureza, da inocência. Ainda não conhecemos o desapontamento. Logo, em termos esdrúxulos, o mundo é um grande parque de diversões a ser descoberto.

No entanto, à medida em que vamos crescendo, as coisas vão se tornando comuns, e até mesmo maçantes. Ora, se existem inúmeras flores no mundo, por que então, irei ficar tremendamente encantada, todas as vezes que vejo uma? Mal sabemos que tudo isso, toda essa indiferença, aos poucos vai ensejando uma tristeza no coração... uma tristeza que vai entrando paulatinamente, até se alojar dentro de nós, ficando marcada como cicatriz.

De fato, devo concordo com o escritor de "O Mundo de Sofia". O passar dos anos nos faz muito prudentes. Usei a palavra prudente como um eufemismo, porque na verdade, ficamos desiludidos e desconfiados. Daí vem o questionamento: “por que na adolecência temos tantos amigos?”. Penso que isso se deve porque tíanhos mais inocência, mais senso de aventura, mais energia e menos cautela. Discutíamos com nossos amigos, mas, praticamente instantaneamente, fazíamos as pazes. Éramos convidados a passear na casa de alguém e íamos sem medo. Sem medo que a pessoa fosse desonesta, nos pedisse dinheiro emprestado, fosse um louco psicótico ou simplesmente chata.

Outro questionamento é: “Por que nos apaixonavámos com mais facilidade?” Talvez porque mergulhávamos mais fundo na aventura e não ficavamos com tanto medo do trinômio: envolvimento – perda – sofrimento.

Pelo menos na minha adolescência, o dinheiro não era tão primordial, e eu me preocupava muito mais em me divertir do que em trabalhar incessantemente para adquirir coisas que nem sei se vou poder aproveitar. Não que eu seja materialista, mas, é que o mundo atual, nos exige cada vez mais, e a aquisição de coisas foi erigida a categoria de “sobrevivência”. Infelizmente.

De ver-se que dificilmente encontramos uma pessoa mais velha - que já lutou e cumpriu fielmente quase todas as fases da vida - com sede de encantamento e apostando em novas aventuras. Para a maioria, as pessoas são muito previsíveis, e todos passaremos fatalmente pelas mesmas desilusões. O casamento já não é mais mel, é fel. O companheiro que outrora estava apaixonado é somente um amigo. Como brilhantemente escreveu Manuel Bandeira: “A vida inteira que poderia ter sido e que não foi”.

Não sei se neste mundo existe alguém como Florentino Ariza, protagonista do livro “O amor nos tempos de cólera”, que amou uma mulher durante 53 anos com o mesmo fervor da adolescência. Que esperou praticamente a vida toda para viver com Fermina Daza, seus últimos dias, no “tempo da delicadeza”.

Francamente espero que sim. Espero que existam muitos “Florentinos” no mundo. Tomara Deus que todas as vezes que eu me sentir desiludida ou desanimada, eu me lembre do personagem supracitado. Pois de que vale a vida sem o encantamento e a inocência das crianças? Quero me desarmar dessa desilusão que tenta todos os dias entrar no meu coração. Quero me embriagar de vida, de poesia e de esperança. Quero irmãos e irmãs. Quero me apaixonar. Apostar. Arricar e me permitir. "Quero ser um poeta extraordinário e desejo poder escrever um teatro muito engraçado pra todo mundo rir até ficar irmão", frase (bem) dita por Adélia Prado no livro "Cacos para um vitral".

3 comentários:

Cleonice Braz disse...

Amiga... que texto lindo...
Tá virando cliché eu te dizer que seus textos tem tudo a ver comigo, com o que eu sinto... mas é verdade...
São sentimentos comuns a pessoas como nós... românticas, sonhadoras, porém centradas e desconfiadas... mineiras? rs...
Grande beijo, sua sumida! Saudades imensas de ti!

=)

Saulo disse...

Lindo... Profundo...

Unknown disse...

Simplesmente perfeito!!!