sábado, 11 de fevereiro de 2012

O Amor Acaba (Paulo Mendes Campos)



Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois do teatro e do silêncio.



Acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar.



De repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel, ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinza o escarlate das unhas.



E acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados; e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado.



Na insônia dos braços luminososos do relógio. Mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia.



No sábado depois de três goles mornos de gim à beira da piscina.



Em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadeza, onde há mais encantos que desejo.



Em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero.



Nos roteiros de tédio para o tédio, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada.



Em cavernas de sala e quartos conjugados, o amor se eriça e acaba.



No inferno o amor não começa.



Na usura o amor se dissolve.



Uma carta que chegou depois, o amor acaba.



Uma carta que chegou antes, o amor acaba.



O amor acaba na descontrolada fantasia da libido.



Às vezes acaba na mesma música que começou, no mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes.



No coração que se dilata e quebra e o médico sentencia imprestável para o amor.



Às vezes o amor acaba como se fosse melhor nunca ter existido, mas pode acabar com doçura e esperança.



Uma palavra muda e articulada e acaba o amor: na verdade, no álcool, de manhã, de noite, na floração excessiva da primavera, no abuso do verão e na dissonância do outono.



Em todos os lugares, a qualquer hora e por qualquer motivo o amor acaba.



Acaba para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto.

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